Os compromissos do Presidente da República<br>com a Constituição e com os «filantropos»
Cavaco Silva, no discurso que proferiu na Assembleia da República em 25 de Abril de 2006, salientou que o combate à exclusão social devia constituir uma causa nacional tendo, a esse propósito, declarado o seguinte: «Quero propor um compromisso cívico, um compromisso para a inclusão social».
Embora o apelo tenha sido abrangente ele não deixa de clarificar que: «É, seguramente, aos gestores do momento que cabe decidir os caminhos, mas é onde esses caminhos nos levam que lhes hão-de dar, ou não, o reconhecimento das novas gerações».
O apelo do Presidente Cavaco Silva teve, desde logo, eco na chamada «sociedade civil», mais propriamente no núcleo dos mais destacados intervenientes nos grandes negócios, de tal modo que, pressurosamente, um grupo de empresários tomou a iniciativa e, sob a sigla «EIS – Associação de Empresários pela Inclusão Social», mobilizou mais de um centena de outros congéneres que se disponibilizaram a investir (blá-blá-blá) cerca de 100 milhões de euros para apoiar acções na área do nosso sistema educativo.
E com que objectivos?
Com objectivos de «...ajudar os conselhos executivos das escolas – através de consultoria e acções de formação – a gerir melhor a escola...» (O sublinhado é nosso).
Um outro objectivo dos referidos empresários inseria-se na aplicação das «...boas práticas...» (o sublinhado também é nosso), de acordo com o ensinamento e com a grande experiência que os sócios daquela agremiação obtiveram, e obtêm, no dia-a-dia das suas actividades de administração de empresas.
Tais objectivos foram publicamente divulgados por João Rendeiro, presidente da «EIS – Associação de Empresários pela Inclusão Social», numa entrevista à revista Visão em 21/12/2006, a que se seguiram outras notícias nos meses seguintes em outros meios de comunicação controlados pelos associados na instituição atrás referida.
Chegados aqui é justo que os nossos leitores façam a seguinte pergunta:
- Aquele João Rendeiro, porta-voz dos filantropos, é o mesmo João Rendeiro ex-presidente do BPP de quem, presentemente, tanto se fala e de quem vários clientes seus reclamam a imediata prisão?
Exactamente, é o mesmo.
Trata-se da personagem que, segundo, a consultora Deloitte, «...terá pago despesas pessoais relacionadas com processos judiciais com dinheiro de uma offshore pertencente ao próprio banco e a sua gestão está supostamente associada a falsificações de contabilidade, à inexistência de contabilidade organizada e a actos dolosos de gestão ruinosa em detrimento dos depositantes, investidores e credores».
O dr. João Rendeiro, que em 2006 sob a sigla «A nova filantropia chegou a Portugal», afirmou: «Quero fazer parte da turma do bem...Tenho uma formação anglo-saxónica e vejo as pessoas como parte de uma sociedade. Basicamente, quero ser um bom cidadão», é o mesmo que, segundo o presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), procedeu a operações comuns às efectuadas pelo corrupto Bernard Madoff, que se encontra preso, e cujo negócio, alicerçado numa gigantesca fraude, constituiu a versão americana da versão portuguesa do negócio da Dª Branca, ou seja, um negócio piramidal em que os juros pagos aos depositantes são pagos pelo dinheiro dos novos depositantes, até que, um qualquer dia, o negócio se desmorona à velocidade da queda de um baralho de cartas.
O dr. João Rendeiro, que apregoava que «A nova filantropia chegou a Portugal», é o mesmo que geria um banco onde os extractos enviados aos clientes eram objecto de adulteração a par de, antes da intervenção do Banco de Portugal no BPP, haver «...indícios de transacções irregulares que circulam entre contas da instituição, contas de clientes e contas de entidades ligadas ao seu único accionista, a Privado Holding», o que pode configurar uma poderosa operação de pôr a salvo o património de destacados accionistas ou de clientes muito influentes antes de o banco ir à falência.
Convém dizer que os principais accionistas do BPP são (ou eram), para além do próprio João Rendeiro, a Partners Equity Trust, com 6,34%, Francisco Pinto Balsemão, com 6,02%, Stefano Saviotti, com 5,83% e a família Vaz Guedes, com 5,81%.
Tudo indica, tendo em vista o conteúdo do relatório da consultora Deloitte, que as autoridades irão averiguar se, entre meados de Novembro de 2008, quando administração do BPP se preparava para comunicar ao BdP a sua grave situação e a intervenção, de facto, do regulador, houve movimentos financeiros no sentido de pôr a salvo os investimentos dos seus principais accionistas, incluindo todos aqueles que utilizaram informação privilegiada, por forma a não só fugirem das suas responsabilidades, em caso da declaração de falência do BPP, como alienando acções a tempo de evitarem a sua queda no seguimento da intervenção do BdP.
É provável que sim. Só que, «pelo andar da carruagem», como todos nós sabemos, essa eventual investigação irá durar largos anos, ao fim dos quais o assunto irá ser arquivado por falta de provas, ou, então, tendo-se apurado tais movimentações, todas elas decorreram de acordo com a mais estrita legalidade, por pessoas de bem, acima de qualquer suspeita, mesmo que daí tenha resultado um encargo acrescido para o Orçamento do Estado, ou seja, para todos nós.
A teia
Mas voltemos à filantropia e aos filantropos.
O dr. João Rendeiro na sua cruzada em prol da nova filantropia não estava só.
No dia 6 de Julho de 2006 o Presidente da República recebeu o grupo de empresários que lideram a associação já atrás referida, constituído por Eduardo Catroga, ex-ministro das Finanças e administrador da Sapec, Joaquim Vieira Coimbra, empresário da indústria farmacêutica, Arlindo da Costa Leite, do Finibanco, Horácio Roque, do Banif, Soares dos Santos, do grupo Jerónimo Martins, Pedro Queiroz Pereira, da Semapa e Portucel, Paulo Pereira da Silva, da Renova, Manuel Violas, do sector hoteleiro, e Diogo Vaz Guedes, da construção civil, este último accionista influente do BPP, pessoa considerada, nos meios VIP, muito ligado a João Rendeiro, muito coerente, muito generoso e muito participativo em organizações da «sociedade civil» tipo Trilateral, Compromisso Portugal, Fundação Luso-Brasileira, Fundação Cardeal Ribeiro, etc., a fazer lembrar, em termos numéricos, as participações sociais de Henrique Tenreiro.
A sua coerência tem a ver com a sua destacada participação no «Compromisso Portugal» onde, defendendo a importância de haver em Portugal sectores estratégicos na mão de nacionais deu, passado pouco tempo, o dito por não dito, vendendo a sua participação na Somague a uma empresa espanhola na área da construção civil.
Quanto à sua filantropia ela mede-se pelos 233 415 euros pagos, formalmente, à Novodesign, embora se trate de um financiamento ao PSD, numa altura em que o seu presidente era Durão Barroso, que se descartou desta ilegalidade a pretexto da gestão financeira do PSD ser da competência da secretaria-geral do seu partido.
Um outro ínclito filantropo, já atrás referido, Joaquim Vieira Coimbra, conhecido e influente militante do PSD, cuja fortuna, segundo o último ranking estava colocada em 47.º lugar no conjunto das maiores fortunas em Portugal, é um accionista de referência do BPN, o famoso banco laranja. Estamos a falar da mesma pessoa que, numa das sessões na Assembleia da República, no âmbito do inquérito ao referido banco a propósito do (BI), Banco Insular, constituído para esconder a gestão ruinosa de Oliveira e Costa, disse que desconhecia a existência daquele banco fantasma, embora ouvisse com frequência a referência a um BI, associando esta sigla ao vulgar bilhete de identidade e não ao Banco Insular para onde se canalizava aquilo que os seus colegas accionistas e de partido queriam ocultar às autoridades de supervisão. Esta confusão entre a sigla de um banco ligado à corrupção e um bilhete de identidade constitui uma importante peça do nosso anedotário e a prova de quem, tendo muito dinheiro, pode, pelo gozo, enxovalhar uma qualquer Comissão de Inquérito da Assembleia da República. Mas, sabido como se sabe que o resultado deste inquérito, na sua totalidade, vai ser remetido ao Ministério Público, vai ser engraçado ver como os investigadores irão avaliar a graçola de Joaquim Coimbra.
Iludir os incautos
Aos filantropos atrás referidos junta-se mais uma centena de outros filantropos de que os interesses empresariais representam cerca de 40% do PIB, qualquer coisa como cerca de 66 mil milhões de euros.
É, pois, comovente o esforço propalado para iludir os incautos na angariação de 100 milhões de euros por esta gente onde se incluem, também, entre outros, Jardim Gonçalves, ligado ao Millennium-BCP, António Carrapatoso, da Vodafone, Ilídio Pinho, da Fundação Ilídio Pinho, Vasco de Mello, do Grupo José de Mello, Manuel Violas, da Solverde, Soares dos Santos, do Grupo Jerónimo Martins.
É comovente porque os ilusórios 100 milhões de euros, prometidos por quem representa cerca de 40% do PIB, representam, rigorosamente, a mesma coisa que um trabalhador com salário mínimo doar, sob a forma de caridade, cerca de 6 cêntimos mensais para resolver o magno problema do abandono escolar de cem mil jovens.
Enquanto este bluff era dito e redito estava a ser tecida uma enorme teia de irregularidades em empresas de vários filantropos de que se salienta os já conhecidos dois mil milhões de euros de prejuízos no BPN, presidido por um notável cavaquista, o já referido Oliveira e Costa e onde colaborou outro notável cavaquista, Dias Loureiro, a par da gestão ruinosa de João Rendeiro o que obrigou, numa situação de emergência, a um empréstimo de 450 milhões de euros, com aval do Estado, ao BPP, banco que, em caso de falência, não poderá satisfazer todos os compromissos para com os clientes, credores, financiadores, trabalhadores e Estado, na medida em que a diferença entre o activo e o passivo orça quase os 1000 milhões de euros.
Esta é, pois, a qualidade de gestão económica da nova filantropia propagada por João Rendeiro, ou seja, simular um acto caritativo, ao mesmo tempo que se obriga o Estado (todos nós) a socializar os prejuízos de empresas privadas.
Há, para além do atrás referido, uma segunda dimensão da filantropia, esta associada às ideias dominantes das classes dominantes.
Sobre isto nada melhor do que ler uma carta sobre Proudhn, esse «filósofo e economista da pequena burguesia, da cabeça aos pés» datada de 1846, onde Karl Marx refere «...que os homens que produzem as relações sociais conforme a sua actividade material, produzem também as ideias, as categorias, quer dizer as expressões abstractas ideais dessas mesmas relações».
Tudo isto para dizer o quê?
Para dizer que a filantropria, palavra de origem grega associada primitivamente, numa sociedade esclavagista, ao amor à humanidade e hoje, nos dias que correm, associada à caridade, a filantropia, parafraseando Karl Marx, é tão eterna quanto as relações sociais que a criaram.
Obtenha o povo, não pela fraqueza do forte mas pela força do fraco, o controlo efectivo dos meios de produção e o poder político da gestão desses meios, e a palavra filantropia deixa de existir porque deixam de existir as relações sociais que a engendraram.
Esta visão, que é a nossa, não é compartilhada, óbvia e naturalmente, pelo Presidente da República.
O Presidente tem outros valores, em função da natureza da sua ideologia, o que explica o apoio institucional a indivíduos, parte dos quais terão de prestar contas à justiça, se a justiça funcionar para os ricos.
Mas dado que o Presidente está submetido ao juramento que fez, não só para cumprir, mas também para fazer cumprir a Constituição, o Presidente Cavaco Silva, dizemos nós, está condicionado pelo texto constitucional de cuja leitura não enxergámos, uma vez sequer, a palavra filantropia.
O que está na Constituição é uma coisa diferente.
O que está na Constituição, entre muitos artigos imperativos, no seu Artigo 9.º, é a obrigação do Estado «promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real ente os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais».
Este dispositivo constitucional leva-nos a uma terceira dimensão da filantropia, ou seja, a relação pessoal.
O filantropo, ao dar algo, estabelece com aquele que recebe uma relação de poder.
Aquele que dá torna-se mais forte e aquele que recebe torna-se mais fraco.
Esta relação, simultaneamente de domínio e de subalternidade, subverte a Constituição da República, em cujos direitos, liberdades e garantias estão expressas normas valorizativas da dignidade humana e da cidadania que nada têm a ver com a desumanidade criada a todos aqueles que, para poderem sobreviver, têm de estender a mão à caridade.
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Fontes:
Constituição da República Portuguesa;
Miséria da Filosofia, de Karl Marx, Edição de Publicações Escorpião, 1974;
Jornal Público de 8 de Maio 2009;
Diário Económico de 11 de Maio 2009.
E com que objectivos?
Com objectivos de «...ajudar os conselhos executivos das escolas – através de consultoria e acções de formação – a gerir melhor a escola...» (O sublinhado é nosso).
Um outro objectivo dos referidos empresários inseria-se na aplicação das «...boas práticas...» (o sublinhado também é nosso), de acordo com o ensinamento e com a grande experiência que os sócios daquela agremiação obtiveram, e obtêm, no dia-a-dia das suas actividades de administração de empresas.
Tais objectivos foram publicamente divulgados por João Rendeiro, presidente da «EIS – Associação de Empresários pela Inclusão Social», numa entrevista à revista Visão em 21/12/2006, a que se seguiram outras notícias nos meses seguintes em outros meios de comunicação controlados pelos associados na instituição atrás referida.
Chegados aqui é justo que os nossos leitores façam a seguinte pergunta:
- Aquele João Rendeiro, porta-voz dos filantropos, é o mesmo João Rendeiro ex-presidente do BPP de quem, presentemente, tanto se fala e de quem vários clientes seus reclamam a imediata prisão?
Exactamente, é o mesmo.
Trata-se da personagem que, segundo, a consultora Deloitte, «...terá pago despesas pessoais relacionadas com processos judiciais com dinheiro de uma offshore pertencente ao próprio banco e a sua gestão está supostamente associada a falsificações de contabilidade, à inexistência de contabilidade organizada e a actos dolosos de gestão ruinosa em detrimento dos depositantes, investidores e credores».
O dr. João Rendeiro, que em 2006 sob a sigla «A nova filantropia chegou a Portugal», afirmou: «Quero fazer parte da turma do bem...Tenho uma formação anglo-saxónica e vejo as pessoas como parte de uma sociedade. Basicamente, quero ser um bom cidadão», é o mesmo que, segundo o presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), procedeu a operações comuns às efectuadas pelo corrupto Bernard Madoff, que se encontra preso, e cujo negócio, alicerçado numa gigantesca fraude, constituiu a versão americana da versão portuguesa do negócio da Dª Branca, ou seja, um negócio piramidal em que os juros pagos aos depositantes são pagos pelo dinheiro dos novos depositantes, até que, um qualquer dia, o negócio se desmorona à velocidade da queda de um baralho de cartas.
O dr. João Rendeiro, que apregoava que «A nova filantropia chegou a Portugal», é o mesmo que geria um banco onde os extractos enviados aos clientes eram objecto de adulteração a par de, antes da intervenção do Banco de Portugal no BPP, haver «...indícios de transacções irregulares que circulam entre contas da instituição, contas de clientes e contas de entidades ligadas ao seu único accionista, a Privado Holding», o que pode configurar uma poderosa operação de pôr a salvo o património de destacados accionistas ou de clientes muito influentes antes de o banco ir à falência.
Convém dizer que os principais accionistas do BPP são (ou eram), para além do próprio João Rendeiro, a Partners Equity Trust, com 6,34%, Francisco Pinto Balsemão, com 6,02%, Stefano Saviotti, com 5,83% e a família Vaz Guedes, com 5,81%.
Tudo indica, tendo em vista o conteúdo do relatório da consultora Deloitte, que as autoridades irão averiguar se, entre meados de Novembro de 2008, quando administração do BPP se preparava para comunicar ao BdP a sua grave situação e a intervenção, de facto, do regulador, houve movimentos financeiros no sentido de pôr a salvo os investimentos dos seus principais accionistas, incluindo todos aqueles que utilizaram informação privilegiada, por forma a não só fugirem das suas responsabilidades, em caso da declaração de falência do BPP, como alienando acções a tempo de evitarem a sua queda no seguimento da intervenção do BdP.
É provável que sim. Só que, «pelo andar da carruagem», como todos nós sabemos, essa eventual investigação irá durar largos anos, ao fim dos quais o assunto irá ser arquivado por falta de provas, ou, então, tendo-se apurado tais movimentações, todas elas decorreram de acordo com a mais estrita legalidade, por pessoas de bem, acima de qualquer suspeita, mesmo que daí tenha resultado um encargo acrescido para o Orçamento do Estado, ou seja, para todos nós.
A teia
Mas voltemos à filantropia e aos filantropos.
O dr. João Rendeiro na sua cruzada em prol da nova filantropia não estava só.
No dia 6 de Julho de 2006 o Presidente da República recebeu o grupo de empresários que lideram a associação já atrás referida, constituído por Eduardo Catroga, ex-ministro das Finanças e administrador da Sapec, Joaquim Vieira Coimbra, empresário da indústria farmacêutica, Arlindo da Costa Leite, do Finibanco, Horácio Roque, do Banif, Soares dos Santos, do grupo Jerónimo Martins, Pedro Queiroz Pereira, da Semapa e Portucel, Paulo Pereira da Silva, da Renova, Manuel Violas, do sector hoteleiro, e Diogo Vaz Guedes, da construção civil, este último accionista influente do BPP, pessoa considerada, nos meios VIP, muito ligado a João Rendeiro, muito coerente, muito generoso e muito participativo em organizações da «sociedade civil» tipo Trilateral, Compromisso Portugal, Fundação Luso-Brasileira, Fundação Cardeal Ribeiro, etc., a fazer lembrar, em termos numéricos, as participações sociais de Henrique Tenreiro.
A sua coerência tem a ver com a sua destacada participação no «Compromisso Portugal» onde, defendendo a importância de haver em Portugal sectores estratégicos na mão de nacionais deu, passado pouco tempo, o dito por não dito, vendendo a sua participação na Somague a uma empresa espanhola na área da construção civil.
Quanto à sua filantropia ela mede-se pelos 233 415 euros pagos, formalmente, à Novodesign, embora se trate de um financiamento ao PSD, numa altura em que o seu presidente era Durão Barroso, que se descartou desta ilegalidade a pretexto da gestão financeira do PSD ser da competência da secretaria-geral do seu partido.
Um outro ínclito filantropo, já atrás referido, Joaquim Vieira Coimbra, conhecido e influente militante do PSD, cuja fortuna, segundo o último ranking estava colocada em 47.º lugar no conjunto das maiores fortunas em Portugal, é um accionista de referência do BPN, o famoso banco laranja. Estamos a falar da mesma pessoa que, numa das sessões na Assembleia da República, no âmbito do inquérito ao referido banco a propósito do (BI), Banco Insular, constituído para esconder a gestão ruinosa de Oliveira e Costa, disse que desconhecia a existência daquele banco fantasma, embora ouvisse com frequência a referência a um BI, associando esta sigla ao vulgar bilhete de identidade e não ao Banco Insular para onde se canalizava aquilo que os seus colegas accionistas e de partido queriam ocultar às autoridades de supervisão. Esta confusão entre a sigla de um banco ligado à corrupção e um bilhete de identidade constitui uma importante peça do nosso anedotário e a prova de quem, tendo muito dinheiro, pode, pelo gozo, enxovalhar uma qualquer Comissão de Inquérito da Assembleia da República. Mas, sabido como se sabe que o resultado deste inquérito, na sua totalidade, vai ser remetido ao Ministério Público, vai ser engraçado ver como os investigadores irão avaliar a graçola de Joaquim Coimbra.
Iludir os incautos
Aos filantropos atrás referidos junta-se mais uma centena de outros filantropos de que os interesses empresariais representam cerca de 40% do PIB, qualquer coisa como cerca de 66 mil milhões de euros.
É, pois, comovente o esforço propalado para iludir os incautos na angariação de 100 milhões de euros por esta gente onde se incluem, também, entre outros, Jardim Gonçalves, ligado ao Millennium-BCP, António Carrapatoso, da Vodafone, Ilídio Pinho, da Fundação Ilídio Pinho, Vasco de Mello, do Grupo José de Mello, Manuel Violas, da Solverde, Soares dos Santos, do Grupo Jerónimo Martins.
É comovente porque os ilusórios 100 milhões de euros, prometidos por quem representa cerca de 40% do PIB, representam, rigorosamente, a mesma coisa que um trabalhador com salário mínimo doar, sob a forma de caridade, cerca de 6 cêntimos mensais para resolver o magno problema do abandono escolar de cem mil jovens.
Enquanto este bluff era dito e redito estava a ser tecida uma enorme teia de irregularidades em empresas de vários filantropos de que se salienta os já conhecidos dois mil milhões de euros de prejuízos no BPN, presidido por um notável cavaquista, o já referido Oliveira e Costa e onde colaborou outro notável cavaquista, Dias Loureiro, a par da gestão ruinosa de João Rendeiro o que obrigou, numa situação de emergência, a um empréstimo de 450 milhões de euros, com aval do Estado, ao BPP, banco que, em caso de falência, não poderá satisfazer todos os compromissos para com os clientes, credores, financiadores, trabalhadores e Estado, na medida em que a diferença entre o activo e o passivo orça quase os 1000 milhões de euros.
Esta é, pois, a qualidade de gestão económica da nova filantropia propagada por João Rendeiro, ou seja, simular um acto caritativo, ao mesmo tempo que se obriga o Estado (todos nós) a socializar os prejuízos de empresas privadas.
Há, para além do atrás referido, uma segunda dimensão da filantropia, esta associada às ideias dominantes das classes dominantes.
Sobre isto nada melhor do que ler uma carta sobre Proudhn, esse «filósofo e economista da pequena burguesia, da cabeça aos pés» datada de 1846, onde Karl Marx refere «...que os homens que produzem as relações sociais conforme a sua actividade material, produzem também as ideias, as categorias, quer dizer as expressões abstractas ideais dessas mesmas relações».
Tudo isto para dizer o quê?
Para dizer que a filantropria, palavra de origem grega associada primitivamente, numa sociedade esclavagista, ao amor à humanidade e hoje, nos dias que correm, associada à caridade, a filantropia, parafraseando Karl Marx, é tão eterna quanto as relações sociais que a criaram.
Obtenha o povo, não pela fraqueza do forte mas pela força do fraco, o controlo efectivo dos meios de produção e o poder político da gestão desses meios, e a palavra filantropia deixa de existir porque deixam de existir as relações sociais que a engendraram.
Esta visão, que é a nossa, não é compartilhada, óbvia e naturalmente, pelo Presidente da República.
O Presidente tem outros valores, em função da natureza da sua ideologia, o que explica o apoio institucional a indivíduos, parte dos quais terão de prestar contas à justiça, se a justiça funcionar para os ricos.
Mas dado que o Presidente está submetido ao juramento que fez, não só para cumprir, mas também para fazer cumprir a Constituição, o Presidente Cavaco Silva, dizemos nós, está condicionado pelo texto constitucional de cuja leitura não enxergámos, uma vez sequer, a palavra filantropia.
O que está na Constituição é uma coisa diferente.
O que está na Constituição, entre muitos artigos imperativos, no seu Artigo 9.º, é a obrigação do Estado «promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real ente os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais».
Este dispositivo constitucional leva-nos a uma terceira dimensão da filantropia, ou seja, a relação pessoal.
O filantropo, ao dar algo, estabelece com aquele que recebe uma relação de poder.
Aquele que dá torna-se mais forte e aquele que recebe torna-se mais fraco.
Esta relação, simultaneamente de domínio e de subalternidade, subverte a Constituição da República, em cujos direitos, liberdades e garantias estão expressas normas valorizativas da dignidade humana e da cidadania que nada têm a ver com a desumanidade criada a todos aqueles que, para poderem sobreviver, têm de estender a mão à caridade.
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Fontes:
Constituição da República Portuguesa;
Miséria da Filosofia, de Karl Marx, Edição de Publicações Escorpião, 1974;
Jornal Público de 8 de Maio 2009;
Diário Económico de 11 de Maio 2009.